terça-feira, 7 de abril de 2020

A Cura da Pandemia Psicológica Despertada pelo COVID-19 – Texto VII - Luto

A probabilidade do COVID-19 matar alguém próximo de você é muito baixa, mas a reflexão é fundamental para nos imunizarmos, dentro do razoável, para lidar com uma das bases existenciais do terror atual inspirado pelo vírus e explorado por muitas mídias: ter que lidar com a morte de alguém.

Claro, o tema do luto valeria algumas dezenas de páginas, mas tentarei colocar de maneira clara e sintética algumas das ideias em alguns parágrafos. Ainda, a proposta não é abordar o tema com uma postura religiosa do tipo: “você verá determinada pessoa novamente”.

Lembro-me de um garoto de 15 anos que olhou para mim com os seus grandes olhos verdes aterrorizados e disse: "doutor, não me deixe morrer!". A sua fala transtornou, mais uma vez, o seu pai, mãe e tia ali presentes. Os pedidos dele vinham com impotência, tristeza e desespero, rasgando todos ali presentes. Ele já estava lutando contra um câncer agressivo que já tinha tomado quase os dois pulmões inteiros e que ceifaria a sua vida em 3 dias. Tudo que eu consegui fazer foi relaxá-lo naquele momento e preparar melhor os quatro, na medida do possível, para uma morte que viria. A vida dele chegou ao fim no domingo, o luto dos que ficaram continuou.

Luto é sofrimento, e este se refere à perda de alguém para a morte, seja pela perda do que ela significava, fazia e/ou até por culpa de ter ou não ter feito algo que achava que devesse.

Algumas pessoas que cruzam as nossas vidas se tornam insubstituíveis pelos sabores do e no tempo que tivemos juntos. Sorte daqueles que tiveram alguns desses seres brilhantes em suas vidas & que souberam degustá-los, dentro da sabedoria que possuíam na época.

O luto é um sofrimento resultante de diferentes comuns emoções, em maior ou menor nível e variedade: (1) saudades da alegria e felicidade das boas lembranças com quem se foi; (2) perda de futuros novos bons momentos; (3) abraços e lições que acabamos apenas percebendo os valores depois de perdermos; (4) a dor da culpa por não termos dito as doces palavras e abraços que um dia seguramos por medo de ser piegas ou nos mostrarmos vulneráveis; (5) perda de um porto seguro diário para as atitudes a tomar na próxima hora ou ano; (6) a perda de sentido do que antes tinha muito significado porque o que realmente era importante era se unir e vibrar junto com a pessoa que não mais está; (7) olhar para planos e perceber que ele ou ela que se foi apenas estará lá como uma lembrança do que poderia ter sido, mas não será; (8) a culpa de achar que se tivesse feito uma ou outra coisa teria impedido a morte; (9) a culpa de ter sido rude no último contato antes da morte da pessoa; (10) o medo de trair a pessoa que morreu se voltar a ser feliz novamente, sem a presença dela; (11) a perda de quem abraçava num momento de pavor e pudesse honestamente dizer que estaria junto e que tudo ficaria bem; (12) a dor de chegar em casa e ter ninguém com quem conversar sobre o dia, sonhos, medos, planos, pesadelos e alegrias; (13) reconhecer tardiamente a insubstituibilidade de quem faleceu; (14) entender que as sabedorias e aprendizagens que se teve com aquela pessoa, daquela maneira e com aquela abordagem, nunca mais acontecerão; (15) perceber-se mais solitário para enfrentar a vida; (16) ter medo de se aproximar de alguém novamente, se entregar como o fez, saborear o que saboreou e um dia poder perder mais uma vez, voltando ao sofrimento que um dia teve; (17) entender que aproveitou pouco o que a pessoa tinha realmente a oferecer, sendo agora tarde demais, por mais que possa apelar às memórias ou escritos ou fotos ou livros que a pessoa leu ou escreveu; (18) ter que resolver por si os problemas que a outra pessoa resolvia, sejam financeiros ou logísticos como ir ao banco ou mercado; (19) acreditar que ficará só pelo resto da vida; (20) encontro da própria mortalidade; (21) lembrar da pessoa definhando e se despedindo da vida todos dias (por semanas ou meses); (22) ter que cuidar dos filhos sozinho(a); (23) a perda de quem dava sentido para a vida; (24) a perda da pessoa cujos brilhantes olhos iluminavam o mais escuro dos dias e/ou (25) a perda de um grande amigo ou amiga.

Agora, una algumas dessas emoções, ou até todas juntas e bata num liquidificador por 5 minutos e tome de uma vez, buscando acompanhar os efeitos nas vísceras de quem perdeu para a morte um filho amado, uma bela esposa, uma grande amiga, uma boa mãe ou um excelente avô, eis o sabor do luto; independentemente se por causa de um vírus ou qualquer outra.

Elaborar um luto é pegar cada uma das dores presentes com zelo, observá-las, aceitá-las e aprender a lidar sabiamente com cada uma delas. Alguns dos sofrimentos um dia serão curados e outros não, apenas se tornando mais suportáveis com a distância do tempo e maturidade. Entretanto, uma ou mais dessas dores não cuidadas podem facilitar um câncer para a vida, físico e/ou emocional.

Alguns posturas para lidar bem com o luto: (a) viva bem o hoje, com responsabilidade e dedicação, pois o amanhã pode nunca chegar para você e/ou o outro; (b) aprenda a fazer por você o que o outro faz, mas se permita ser cuidado e acarinhado; (c) a dor da perda é um fato, mas muito mais importante do que ele é a vida que se teve com a pessoa, foque-se nisso (!); (d) infelizmente, sabedoria é algo que exige vida e boas reflexões, apenas conseguiremos saborear algumas pessoas mediante ela; (e) julgue-se de acordo com o que você sabia na época em que fez ou deixou de fazer algo; e (f) saudades é como um belo vinho tinto seco e encorpado, na medida certa, tomá-lo alimenta a alma.

Nunca esqueci daquele garoto. A vida dos seus pais nunca mais seria a mesma, e faço votos para que eles tenham aprendido a saborear a vida que tiveram com ele, muito mais do que as saudades do que poderiam ter vivido.

Lutar contra o fim é razoável até não assim o ser, independentemente se provocado pelo COVID-19 ou outras razões; apenas podemos tentar protelá-lo, mas ele sempre chegará. Importante é viver bem até lá consigo e com quem você achar saudável.

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