“Viver bem sozinho” é
muito mais fácil de ser dito do que ser feito, afirmação geralmente efetuada
por pessoas que estão nas seguintes situações: casados/envolvidos; moram com
algum parente com quem tem boa relação ou moram sozinho, mas têm muitas
distrações ou trabalho, não pensando sobre o assunto. Em outras palavras, acabam
sendo ideias incisivamente colocadas por pessoas que não estão sós e/ou quase
não pensam sobre a própria situação. É verdade que tem indivíduos (no real
conceito original da palavra, ou seja, indivisível) que sejam boas companhias
lúcidas para eles mesmos, mas acho (quase) impossível dizerem que é algo
simples.
“Viver bem só” significa ser uma companhia tão boa para si
quanto seria estar com os melhores amigos, que também sempre são bons
psicoterapeutas (um bom amigo sempre cuida, em algum nível, da dor do amigo e
se regozija pelo bem-estar dele). Há muitas definições para amigo, mas a minha,
após ler Sêneca, algumas coisas de Aristóteles e Platão, fica assim: amigo é quem
estima outro pela sua nobreza de caráter, intelectualidade, sabedoria; e com
base nessa estima, busca o bem-estar dessa pessoa, às vezes, acima do próprio.
Não é possível chamar de amigo quem quiser a companhia de alguém pelo status,
cargo, aparência ou poderia financeiro, um amigo até pode estimar essa situação
do outro, mas nunca será a base do seu sentimento.
Assim, ser amigo de si consiste em aprender a cuidar das
próprias feridas emocionais, as transformando em cicatrizes, aliás, não conheço
bons amigos que não tenham cicatrizes. Ser amigo de si é ter prazer na própria
companhia, lendo um livro, ouvindo uma música, fazendo uma viagem, estando só
no trânsito, refletindo sobre a situação atual da vida, suas fragilidades e
forças. Nada disso é instintivo em nós, precisamos nos esforçar para formarmos
maturidade para fruirmos da vida, inclusive quando pouco é oferecido.
Alguns conhecimentos que precisamos formar em nós com
experiências e reflexões para nos tornarmos melhores, para nós mesmos pelo
menos:
- Estimar-se independentemente do que o outro disser, embora
sempre ouvindo críticas externas com rigorosos ouvidos, interessando-se mais na
especificidade e possibilidade de crescimento que ela traria do que a dor de
perceber que mais uma falta ou falha foi percebida por si e pelo outro.
- Aproveitar uma bela tarde sem precisar de uma companhia
fora a própria, nem sempre é um fracasso social estar só num bom restaurante
com um belo vinho na frente. Às vezes, pode ser simplesmente o ato de saborear
a si, ao vinho e ao momento, sem dor, apenas sorvendo o momento de uma calma
companhia, e se não calma, pelo menos saborosa.
- Ter sentido na própria vida mesmo tendo ninguém ao lado,
conseguir olhar para o futuro e especular sobre ele, estando com alguém ou não.
- Saber que algumas vezes, podemos fazer nada em relação a
uma dor, apenas deixá-la passar no seu próprio tempo, distraindo-se dela na
medida do razoável.
- A quantidade de virtudes necessárias para ser uma boa
companhia para si é proporcional à descrição do caráter de um bom amigo, mas
Aristóteles (acho que foi ele) disse melhor: “ A amizade é apenas possível
entre os sábios.” Não penso em termos absolutos de sabedoria, até porque é um
conceito desumano, mas um certo nível de sabedoria e caráter é necessário para
sermos boas companhias para nós mesmos.
Todos dias me alimento de carne na manhã, tarde e noite,
esse é o sabor da minha companhia e posso ficar assim por muito tempo; por
vezes tenho a oportunidade de uma boa massa e risoto, este é o sabor dos meus
poucos amigos; em outros momentos, há a possibilidade de massa, risoto e belas
sobremesas, essas são possibilidades de uma amante-amiga; o vinho encorpado e
saboroso, rega os sabores que me são possíveis.
Um grande amigo de 68 anos morreu em 2006, ele estava só,
mas sei que morreu em excelente companhia, devendo nada para a vida, um fim a
ser almejado.
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