quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Viver Só

“Viver bem sozinho” é muito mais fácil de ser dito do que ser feito, afirmação geralmente efetuada por pessoas que estão nas seguintes situações: casados/envolvidos; moram com algum parente com quem tem boa relação ou moram sozinho, mas têm muitas distrações ou trabalho, não pensando sobre o assunto. Em outras palavras, acabam sendo ideias incisivamente colocadas por pessoas que não estão sós e/ou quase não pensam sobre a própria situação. É verdade que tem indivíduos (no real conceito original da palavra, ou seja, indivisível) que sejam boas companhias lúcidas para eles mesmos, mas acho (quase) impossível dizerem que é algo simples.

“Viver bem só” significa ser uma companhia tão boa para si quanto seria estar com os melhores amigos, que também sempre são bons psicoterapeutas (um bom amigo sempre cuida, em algum nível, da dor do amigo e se regozija pelo bem-estar dele). Há muitas definições para amigo, mas a minha, após ler Sêneca, algumas coisas de Aristóteles e Platão, fica assim: amigo é quem estima outro pela sua nobreza de caráter, intelectualidade, sabedoria; e com base nessa estima, busca o bem-estar dessa pessoa, às vezes, acima do próprio. Não é possível chamar de amigo quem quiser a companhia de alguém pelo status, cargo, aparência ou poderia financeiro, um amigo até pode estimar essa situação do outro, mas nunca será a base do seu sentimento.

Assim, ser amigo de si consiste em aprender a cuidar das próprias feridas emocionais, as transformando em cicatrizes, aliás, não conheço bons amigos que não tenham cicatrizes. Ser amigo de si é ter prazer na própria companhia, lendo um livro, ouvindo uma música, fazendo uma viagem, estando só no trânsito, refletindo sobre a situação atual da vida, suas fragilidades e forças. Nada disso é instintivo em nós, precisamos nos esforçar para formarmos maturidade para fruirmos da vida, inclusive quando pouco é oferecido.

Alguns conhecimentos que precisamos formar em nós com experiências e reflexões para nos tornarmos melhores, para nós mesmos pelo menos:
- Estimar-se independentemente do que o outro disser, embora sempre ouvindo críticas externas com rigorosos ouvidos, interessando-se mais na especificidade e possibilidade de crescimento que ela traria do que a dor de perceber que mais uma falta ou falha foi percebida por si e pelo outro.

- Aproveitar uma bela tarde sem precisar de uma companhia fora a própria, nem sempre é um fracasso social estar só num bom restaurante com um belo vinho na frente. Às vezes, pode ser simplesmente o ato de saborear a si, ao vinho e ao momento, sem dor, apenas sorvendo o momento de uma calma companhia, e se não calma, pelo menos saborosa.

- Ter sentido na própria vida mesmo tendo ninguém ao lado, conseguir olhar para o futuro e especular sobre ele, estando com alguém ou não.

- Saber que algumas vezes, podemos fazer nada em relação a uma dor, apenas deixá-la passar no seu próprio tempo, distraindo-se dela na medida do razoável.

- A quantidade de virtudes necessárias para ser uma boa companhia para si é proporcional à descrição do caráter de um bom amigo, mas Aristóteles (acho que foi ele) disse melhor: “ A amizade é apenas possível entre os sábios.” Não penso em termos absolutos de sabedoria, até porque é um conceito desumano, mas um certo nível de sabedoria e caráter é necessário para sermos boas companhias para nós mesmos.

Todos dias me alimento de carne na manhã, tarde e noite, esse é o sabor da minha companhia e posso ficar assim por muito tempo; por vezes tenho a oportunidade de uma boa massa e risoto, este é o sabor dos meus poucos amigos; em outros momentos, há a possibilidade de massa, risoto e belas sobremesas, essas são possibilidades de uma amante-amiga; o vinho encorpado e saboroso, rega os sabores que me são possíveis.

Um grande amigo de 68 anos morreu em 2006, ele estava só, mas sei que morreu em excelente companhia, devendo nada para a vida, um fim a ser almejado.


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