sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Luto



Nascemos com instinto (atividade psíquica hereditária), que é a busca do prazer e fuga da dor.

Luto é a dor pela perda de algo ou alguém que cumpre com três funções: prazer, alívio (diminuir ou finalizar uma dor) e/ou significado e sentido para a vida. Contudo, há comumente uma quarta variável relacionada à dor da perda, a culpa.

Toda relação humana intencional se baseia no interesse, entretanto, há dos tipos de interesse: em alguém como meio para um fim ou alguém como fim em si.

Então, o luto ocorrerá mediante a perda de alguém cujo interesse por ele exista na medida em que a existência do mesmo evite dor, traga prazer, se torne importante para o significado da vida ou evite a quebra de um dever.

Assim, quatro comuns causas de dores ao perder alguém:

Perda do prazer/ felicidade/ alegria
Pode-se querer estar com alguém porque essa pessoa tem dinheiro e, portanto, terá festas/ almoços/ viagens prazerosas, ou se está com alguém porque a pessoa é agradável, seja pela sua sabedoria, aparência, humor, inteligência, leveza ou amizade; ambos os interesses podem estar em conjunto em maior ou menor proporção.

Perda do alívio/ proteção/ segurança
É comum também querer estar com alguém porque essa pessoa, de alguma forma, representa uma diminuição ou proteção de um ou mais medos (desejo de evitar ou fugir de alguma dor em potencial ou presente), sendo alguns dos mais freqüentes: ficar sozinho (poucos indivíduos ficam bem na própria companhia); crítica e rejeição (muitos usam o outro como referência para si, mas poucos se tornam a própria referência); baixa auto-estima (gostar de si é um importante alimento para o espírito, embora alguns o tenham como o mais essencial); do fim (é comum acreditar ser a vida apenas importante na medida da eternidade) e de dores de causa orgânica (quebrar um osso) ou psíquica (rejeição).

Perda do significado ou sentido para a vida
O sentido da vida com o qual nascemos é buscar prazer e fugir da dor, descobrir o que dá um e outro direciona a maioria das pessoas. Afirmar que a vida precisa ter significado significa dizer que ela não pode ser o significado em si, ou seja, não basta estar vivo, é necessário ter algo maior do que o próprio respirar, se divertir, caminhar e depois acabar. Algumas pessoas criarão significado para a vida e outras não.
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Posto assim, algumas pessoas, geralmente sem perceberem, formam significados para as suas vidas, como serem mães ou pais, fazerem o trabalho indicado por algum ser supostamente divino ou ajudarem os outros, Em termos de luto, quando uma mulher (é mais comum às mulheres, por questões especificamente culturais) perde um filho e/ou marido num acidente de carro, ela perdeu o significado da vida, aquilo pelo qual valia viver.
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Culpa
A culpa advém de uma moral
/ obrigação/ dever própria que não se conseguiu cumprir, por exemplo: é comum uma mãe sentir-se culpada pela morte de um filho porque teria emprestado o carro ao mesmo sabendo que ele sairia com amigos que bebiam demais, e na mesma noite, ele bate o carro e morre. A lista de culpas pode ser longa: não deveria ter emprestado o carro, deveria ter sido mais radical referente ao uso de álcool, deveria ter ensinado a ele a dirigir melhor, deveria tê-lo buscado, deveria ter dado mais carinho, deveria ter sido mais amável ao longo da vida, deveria ter participado mais, enfim, deveria ter feito algo diferente.

Analisando-se o caso acima é possível estabelecer uma das maiores causas de culpa: acreditar-se mais capaz de controle, de potência, do que realmente se é. Não é incomum uma mãe, ou pai, acreditar que SE tivesse isso ou aquilo o filho não teria morrido, o que até pode ser verdade, mas se soubessemos ontém o que sabemos hoje, ganharíamos na loteria.

Curas para as dores
Para cada um desses sofrimentos há diferentes caminhos que podem ser trilhados,
para a perda do prazer, aprender a obter o mesmo por si, na medida do possível, o mesmo valendo para o luto de alguém por ter perdido outrem que o/ a protegia, pelo menos em algum nível. Em termos de perda do significado da vida, a idéia básica é aprender a estabelecer um novo significado e sentido para a vida. No que se refere a culpa, aceitar os próprios limites, tanto da incapacidade de proteção constante como dos erros ao viver.
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A forma mais comum de aprender a perder é aprender a fazer por si o que a outra pessoa fazia, pelo menos em algum nível.

Embora algumas dores na vida não sejam curáveis, mas sim suportáveis.




2 comentários:

Cláudia Nogueira disse...

Gostei, e fazia falta um novo texto...
Abrangente e simples, levando-nos a boas reflexões dos nossos lutos de uma vida já vivida e diferentes sentidos de vida...culpa...medo...resignificações...
Um abraço
Bona:)

Unknown disse...

O texto e as considerações nele apresentadas são extremamente precisos, não somente devido à clareza com que as ideias são articuladas, mas por obra do conteúdo.
O texto é uma postagem antiga, porém achei o blog apenas agora e tenho curiosidade em uma relação particular com o luto.
Já passei por inúmeras dissertações acerca do Modelo de Kübler-Ross e Os Cinco Estágios do Luto, todos tratando do luto proveniente da perda de um ente querido ou da maneira como lidam pacientes que enfrentam a morte iminente. Porém, tenho interesse em pacientes que lidam com doenças crônicas (sou inclinada para a área hospitalar). Esses pacientes não tem a morte como fim eminente, porém penso que de alguma forma, os mesmos passam por alguma forma de luto.
Se possível, gostaria de saber sua opinião.
Grata, desde já,
Daphne.